APAT

Associação Portuguesa de Análise Transaccional


Análise Transaccional

Por
Luís Aguilar

O objectivo da Análise Transaccional
é conduzir uma pessoa para a sua liberdade de escolha,
para se modificar quando entender,
para mudar as suas reacções
a estímulos repetidos ou novos.

Thomas Harris

Podemos definir o longínquo ano de 1957, como o ano de nascimento do termo Análise Transaccional e o de 1958 o da sua difusão, através do artigo publicado no American Journal of Psychotherapy, pelo seu criador Eric Berne. O êxito, fora do comum, alcançado em muito pouco tempo, por esta técnica terapêutica contratual, esta teoria da comunicação e do comportamento, que é a Análise Transaccional, deveu-se à clareza dos conceitos utilizados, ao desejo de vulgarizar a linguagem psicológica e psiquiátrica e à vontade de Berne em encontrar técnicas de cura e de formação pessoal eficazes, simples e rápidas.

Berne aconselhava os seus colaboradores a nunca afirmarem nada que não pudessem sistematizar num diagrama. Por isso, quase todos os aspectos teóricos da Análise Transaccional aparecem ilustrados por uma representação gráfica. Esta diagramatização da teoria tem facilitado a difusão e a compreensão dos principais conceitos da Análise Transaccional: Estados do Eu, Jogos Psicológicos, Cenários de Vida.

A Análise Transaccional começou por ser praticada em grupo, já que, Berne, na mesma linha de Moreno e Rogers, entre outros, acreditava que essa era a forma mais eficaz do trabalho terapêutico. É, com efeito, nas relações interpessoais que os problemas são criados e, por isso, é em grupo que os mesmos devem ser tratados. Os títulos dos primeiros trabalhos de Berne evidenciam bem a intenção prática, simples e colectiva, que pretendia conferir à Análise Transaccional: The Mind ind in Action e The Structure and Dynamics of Organizations and Groups, escritas, respectivamente, em 1947 e 1963.



Âmbitos

Há que distinguir os dois âmbitos em que Berne situa o conceito de Análise Transaccional. Em sentido restrito, a Análise Transaccional, propriamente dita, é a análise das transacções, uma a uma, utilizando diagramas transaccionais. É uma teoria do comportamento social baseada na análise rigorosa de transacções, num número exaustivo e limitado de categorias provenientes especificamente dos Estados do Eu implicados (Berne, 1983, p.27) ou, no sentido mais amplo, como disciplina, a Análise Transaccional é uma teoria da personalidade baseada no estudo específico dos Estados do Eu e um método de psicoterapia fundado na análise das transacções e de séries de transacções produzidas durante as sessões de tratamento (idem, p.447).


Análise Transaccional e Psicanálise

A Análise Transaccional, no início muito influenciada pela Psicanálise, acabou por dela se afastar, sobretudo, quando deixou de olhar para os acontecimentos passados e se centrou no momento presente da vida do indivíduo e na quantidade e qualidade das suas relações interpessoais. A centração nas relações interpessoais e nos aspectos relacionados com a comunicação, o uso da intuição, a ênfase colocada nos comportamentos não verbais, a noção de diagnóstico, distinguiram, dos pontos de vista teórico e prático, a Análise Transaccional da Psicanálise. Na prática psicoterapêutica distinguem-se, ainda, pela definição, na Análise Transaccional, de um contrato psicológico de mudança, que compromete o terapeuta ou o formador e o cliente ou formando num processo rápido de cura e ou de mudança.
A Análise Transaccional reflecte, de forma significativa, a complexidade das relações e da comunicação, nas diferentes fases da vida pessoal e socioprofissional do ser humano. Os valores, as concepções de vida, as normas reguladoras do que se deve ou não fazer, as mensagens afectivas de amor e ou de rejeição, partilhadas na infância, proporcionam a criação de uma série de patterns que contribuem para a definição de um modelo de pensamento e de acção que, por sua vez, condiciona a vida do indivíduo, as relações consigo próprio, com os outros e com o meio ambiente. É, pois, da maior utilidade, conhecer esses modelos para melhor identificar os padrões de funcionamento de si próprio e dos outros e, assim, evitar que a acção do indivíduo seja um mero reprodutor de formas de pensar e de agir, transmitidas automaticamente do exterior e de geração em geração.


Conceitos

Berne iniciou o processo de descoberta do que hoje é a Análise Transaccional, em primeiro lugar, através da teoria dos Estados do Eu - a análise estrutural – definiu, a seguir, o conceito de Cenário de Vida e durante muito tempo trabalhou com estes dois elementos, tanto na sua prática clínica como no desenvolvimento das suas teorias. Só muito mais tarde começa a falar de Jogos Psicológicos, como pequenas estruturas que confirmam ou desenvolvem os Cenários de Vida. Dada a popularidade que obteve o livro que então lançou sobre este assunto, Games People Play, popularidade que surpreendeu tudo e todos, até o próprio autor, hoje, muitos transaccionalistas preferem trabalhar sobre os jogos, ainda que, frequentemente, se estabeleça uma confusão entre essas pequenas estruturas de treino para a fixação e desenvolvimento dos Cenários de Vida, com os próprios Cenários de Vida.

O conceito de Cenário de Vida em Análise Transaccional é, quanto a nós, o mais importante e operatório de todos os que integram o quadro teórico proposto por Eric Berne e seus seguidores. Ao contrário de muitos dos teóricos da Análise Transaccional, para quem a noção de Estados do Eu é a parte mais importante da AT, pensamos que o conceito de Cenário de Vida, baseado na ideia de que escrevemos no cérebro, até aos oito anos de idade, uma espécie de guião cinematográfico ou teatral que vamos representar pela vida fora, com a colaboração de pessoas escolhidas a dedo para fazerem parte do argumento, é o mais significativo. Segundo este conceito maior da Análise Transaccional, cada um de nós
procura toda a vida pessoas que sejam bons actores para a peça que escreveu para jogar as mesmas cenas do guião. Não admira que muitoas pessoas se divorciem para se casarem de novo com pessoas emtudo iguais à anterior. O processo de cura de cenário, leia-se de saida desta fatalidade proporciona-nos, segundo Berne um novo padrão de relacionamento uma nova forma de percepção dos outros do mundo e de si próprio, permitindo, mais do que encontrar as razões pelas quais as pessoas se comportam desta ou daquela maneira, saber como é que elas procedem para provocarem determinadas situações insatisfatórias e causadoras de mal-estar. A teoria dos Estados do Eu induz a uma abordagem de diagnóstico psicológico, enquanto que, a teoria dos Cenários de Vida suscita a prática psicoterapêutica, a cura e a transformação pessoal. Entre uma teoria e a outra existe o percurso existencial do homem que as criou: Eric Berne.

Quatro etapas e quatro tipos de análise

O trabalho psicoterapêutico, formativo ou social, em Análise Transaccional, consiste, essencialmente, em compreender o passado, por um processo de identificação dos comportamentos actuais e a relação que têm com as vivências arcaicas e pela prática de redecisão. Esse processo desenvolve-se em três fases. Na primeira procede-se à actualização hic et nunc do passado, A segunda fase propõe quatro tipos de análise: a Análise Estrutural, nomeadamente pela identificação dos Estados do Eu que cada um privilegia e que explicam determinados comportamentos, a Análise das Transacções, a análise do conjunto de relações que o indivíduo desenvolve em quantidade e em qualidade no universo das relações sociais, a Análise dos Jogos Psicológicos e a Análise dos Cenários de Vida. Finalmente, a terceira fase ocupa-se da mudança de comportamentos através do estabelecimento de um contrato psicológico de mudança, produzido a partir dos dados recolhidos na fase anterior. Uma quarta etapa pode motivar a pessoa a construir-se como um ser autêntico, autónomo, criativo e espontâneo, vivendo a sua vida fora do Triângulo Dramático, recusando os Jogos Psicológicos e deixando para trás o seu Cenário de Vida limitativo.

Haverá ainda que distinguir a Análise Estrutural da Análise Funcional. É no âmbito de uma formação ou de uma psicoterapia, realizada individualmente ou em grupo, que se pode fazer a Análise Estrutural e a Análise Funcional da Personalidade. A primeira indica o conteúdo, a segunda o processo. Porque a Análise Estrutural nos diz, exactamente, quanto temos de cada Estado do Eu e a Análise Funcional nos indica o processo através do qual os mesmos se manifestam, apresentamos as duas em conjunto, sabendo que quando você me observa e escuta, pode observar a função enquanto que a estrutura só poderá ser deduzida (Stewart & Joines, 1996, p. 58). Com efeito, quando trabalhamos com o objectivo de recolher elementos para a construção de uma Egografia, fazemos um trabalho formativo, ou psicoterapêutico, de Reparentalização, Readultalização e Recriançalização, de acordo com as necessidades de cada participante. Só se pode partir para esse trabalho após a verificação dos Estados do Eu que a pessoa precisa de desenvolver. No aspecto qualitativo, há que ver as mensagens bloqueadoras de cada Estado do Eu e, portanto, a forma como são utilizados e em que espaços.


As críticas feitas à Análise Transaccional

A morte prematura de Berne, deixou muito incompleta e cheia de contradições a teoria da Análise Transaccional. A ambiguidade do nome, os objectivos pragmáticos, o vocabulário simples, os diagramas visualmente exemplificativos, os modelos de análise e os variados terrenos de aplicação são, simultaneamente, a riqueza e a pobreza da Análise Transaccional de Eric Berne. Tinham afinal fundamento os receios de Berne, primeiro, e de Steiner, depois, que, pela sua simplicidade e pragmatismo, a Análise Transaccional viesse a banalizar-se, a ser reinterpretada e, em consequência, destruída pelo consumo de massas, que a utiliza em proveito próprio, sem respeito algum pela sua integridade científica. Não me admiraria que daqui a pouco tempo, e isto um pouco maliciosamente, convenhamos, apareçam por todo o lado, no famigerado estilo do Faça Você Mesmo, Clubes de Análise Transaccional, Igrejas A.T., Roulotes-Sanduíche, A Análise Transaccional ao Domicílio, Cassetes A.T., Seminários no Hawai e Ateliers Intensivos para Aumentar a Produtividade nas Empresas (Steiner, 1984, p.20).

Berne, morreria de pasmo ao ver a sua A.T, cuja prática quis que fosse racional e pragmática, transformada numa terapia esotérica, reduzida a uma simples filosofia de vida engraçada e mágica, tipo mecano, gadget ou lego psicológico. Se é verdade que as principais ideias da Análise Transaccional são expressas numa linguagem simples e popular, não é menos verdade que certas pessoas deduziram daí que a linguagem simples devia traduzir-se em pensamentos superficiais (Stewart & Joines, 1996, p.24).

Ora tudo isso é hoje uma realidade e as deturpações e desvios da teoria inicial são incontroláveis e merecedoras das mais diversificadas críticas, mau grado os esforços empreendidos pela ITAA-International Transactional Analysis Association, com sede em San Francisco, na Califórnia. Um facto é certo: a integração freudiana na abordagem transaccional desvanece à medida que os modelos dos «Estados do Eu» invadem o mercado; com a difusão da AT. Ao extremo rigor de Berne, opõe-se a «abertura de espírito» de alguns dos seus «continuadores», à modéstia de um, contrapõem-se as pretensões puramente ideológicas dos outros. Berne desenvolveu a ideia de uma «psicanálise» e de uma «psiquiatria» ao alcance de todos, os outros intuíram daí, uma ideologia a suportar por todos (Minary, 1992, p.180). E Steiner (1988) contrapõe: Tenho a certeza absoluta que se não se seguir os objectivos sociais da Análise Transaccional, é porque se decidiu abandonar o modelo, já que, se fere na sua essência a teoria de Berne. Análise Transaccional significa análise das transacções e não análise do psiquismo. Os transaccionalistas analisam as transacções, parece-me isso evidente. Por seu turno, Fritz Perls manifesta a sua decepção face à Análise Transaccional: Parece vir não somente direitinha de Freud, mas, sobretudo, falsear os próprios propósitos de Berne (Perls, 1976, p. 264). Com efeito, apesar de se opor a Freud, Berne e muitos dos seus seguidores não conseguiram libertar-se de alguns traços que o caracterizam, como o determinismo, o excesso de verborreia, o aprisionamento ao tempo linear, o passado.



A Análise Transaccional hoje

Embora ao longo do tempo se afastasse da ideia, Berne criou a Análise Transaccional orientada para a acção social. Decorridos quase quarenta anos após a sua morte, podemos hoje dizer com segurança que a sua primeira ideia foi actualmente retomada. Neste retorno às origens, a Análise Transaccional ocupa-se, hoje, mais da saúde e do desenvolvimento do potencial humano do que da doença e da patologia. É um dos modelos relacional e contratual, centrado na saúde, mais difundido e utilizado numa formação de indivíduos cuja actividade profissional exige a relação com os outros e os grupos. Com efeito, a Análise Transaccional, pela simplicidade dos conceitos, pela caracterização positiva do homem, pelos aspectos contratuais e responsabilizadores do processo de desenvolvimento pessoal, faz com que passasse a integrar projectos de formação dos quadros das empresas, dos formadores de formadores, dos professores, dos animadores, do pessoal dos serviços de saúde, etc. De facto, a Análise Transaccional, baseada nas relações interpessoais e centrada na unidade de comunicação, a Transacção, tem vindo a conhecer uma importância crescente e relevante no domínio das Ciências Humanas e Sociais.

A Análise Transaccional em Portugal

Embora tivesse, há mais de trinta anos, conhecido uma certa importância em determinados sectores da actividade profissional, a Análise Transaccional tem sido praticamente desconhecida no nosso país. Maria José Ritta, esposa do ex-Presidente da República, Jorge Sampaio revelou-nos que tinha sido, no âmbito das actividades de formação de Recursos Humanos da TAP, uma das primeiras pessoas a praticar a Análise Transaccional no nosso país. Belmiro de Azevedo, conhecido empresário português de sucesso, também nos comunicou que estudou a Análise Transaccional, em Harvard, e que na altura era uma disciplina obrigatória, que não dispensava a leitura do famoso livro de Eric Berne, What do you say after you say Hello?

Em Portugal, a Análise Transaccional pode bem considerar-se inexistente. É abordada muito parcialmente e integrada em passagens breves em cursos ou seminários de desenvolvimento pessoal, coaching, Relação de Ajuda.

Só agora, em 2009, foi criada pelos dois únicos portugueses formados pela ITAA de San Franciso a primeira associação portuguesa, cujo objectivo é precisamente divulgar, difundir a A.T. no nosso país, através da organização de cursos de formação, investigação, publicações, etc.


Referências Bibliográficas

BERNE, E. (1946). The mind in action. New York : Simon and Schuster.

BERNE, E. (1957). Ego states in psychotherapy. The American Journal of Psychotherapy, 11, 293-309.

BERNE, E. (1961). The structures and dynamics of organizations and groups. Ballantine Books.

BERNE, E. (1961/86). Transactional analysis in psychotherapy. Ballantine Books.

BERNE, E. (1964/78). Games people play : the psychology of human relations. Grove Press. Étudiant d'Erikson.

Eric Berne, esquisse biographique, W. Cheney, Classiques AT, Editions AT, Vol. 1, p. 12-19

MINARI, Jean-Pierre (1992). Modèles systémiques et psychologie.Liège: Mardaga.

STEINER, Claude (1984, 1992). Des scénarios et des hommes. Paris: Epi.

STEWART, Ian & JOINES, Vann (1996). Manuel d’Analyse Transactionnelle. Paris: Inter-Editions.

© Luís Aguilar


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