APAT

Associação Portuguesa de Análise Transaccional


Acção Transaccional em Espaço Transiccional
Estados
do Eu, Jogos Psicológicos e Cenários de Vida em Cena

Por

Luís Aguilar

As histórias ou argumento de peças de teatro têm, naturalmente, a sua origem em histórias ou argumentos de vida; por isso, não será descabido que se considerem as conexões e similitudes que ambos apresentam.
Eric Berne
Uma Ciência da Acção
começa com dois verbos, ser e criar
e três substantivos, actor, espontâneidade e criatividade.

Jacob-Levy Moreno

Eric Berne começou por investigar e teorizar as características das relações que duas ou mais pessoas estabelecem entre si, no universo das relações interpessoais: a identificação dos Estados do Eu intervenientes numa Transacção (comunicação). Daí o nome que deu à sua teoria da personalidade: Análise Transaccional. Mas, Eric Berne não se coibiu de dizer o que muitos transaccionalistas parecem ter esquecido: O verdadeiro conhecimento consiste em, mais do que aprender conceitos, aprender a modificar comportamentos na acção concreta, sabendo como reagir (Berne, 1949). Nesta óptica, a identificação dos Estados do Eu, a análise de Jogos Psicológicos e dos Cenários de Vida, não são mais do que uma base para a mudança, que só será possível se for fundamentada na capacidade de dar respostas autónomas e específicas aos estímulos emitidos pelos outros aqui e agora, nas várias interacções quotidianas. E, a nosso ver, esse objectivo só será atingido se forem utilizados instrumentos e metodologias que privilegiem o trabalho em grupo, o jogo de papéis, as técnicas de expressão corporal, entre muitos outros meios para o desenvolvimento pessoal. Mas, nem Berne nem os seus seguidores definiram metodologias ou instrumentos que permitissem, no terreno da psicoterapia ou da formação, indicar como podem as pessoas reagir a estímulos transaccionais inapropriados ou insatisfatórios, analisarem os Jogos Psicológicos em que se envolvem e procederem à modificação do seu Cenário de Vida. Nesta óptica, a identificação dos Estados do Eu, a análise das Transacções, dos Jogos Psicológicos e dos Cenários de Vida, não são mais do que uma base para a mudança, que só será possível se fundamentada na capacidade de dar respostas autónomas e específicas aos estímulos emitidos pelos outros aqui e agora, nas várias interacções quotidianas. E, a nosso ver, esse objectivo só será atingido se forem utilizados instrumentos e metodologias que privilegiem o trabalho em grupo, o jogo de papéis, as técnicas de expressão corporal, entre muitos outros meios para o desenvolvimento pessoal. Mas, nem Berne nem os seus seguidores definiram metodologias ou instrumentos que permitissem, no terreno da psicoterapia ou da formação, indicar como podem as pessoas reagir a estímulos transaccionais inapropriados ou insatisfatórios, analisarem os Jogos Psicológicos em que se envolvem e procederem à modificação do seu Cenário de Vida.

O diagnóstico em Análise Transaccional, tal como o concebeu Eric Berne visa determinar o ponto concreto de partida para o trabalho pessoal, o domínio da linguagem a utilizar posteriormente e a definição de indicadores para a celebração de um contrato psicológico. Ora o que temos podido verificar é que, na maior parte das abordagens que conhecemos, o diagnóstico representa, por um lado, uma forma de etiquetagem e, por outro, um fim em si mesmo, aspectos que Berne repudiava veementemente, mas que parecem encantar muitos transaccionalistas, que confundem o meio com o fim. Para que o diagnóstico, feito através dos dados recolhidos nos testes, nas observações intuitivas e no contrato psicológico, não caiam na ratoeira da etiquetagem ou se tornem palavras mortas deitadas num divã, há que passar ao acto de mudança, através de meios adequados: passar da Análise Transaccional à Acção Transaccional.

Ao veicular a ideia de que a prática terapêutica ou formativa se deve centrar na mudança pessoal por intermédio de acções concretas, a Análise Transaccional deveria, a nosso ver, chamar-se Acção Transaccional. De resto, inúmeros transaccionalistas, ainda que timidamente, têm seguido este caminho, pois que, na sua prática, para além de importarem abordagens da Psicologia Gestalt tentam, na medida do possível, conduzir a descrição que a pessoa faz do passado para a cena falada ou jogada no presente, aqui e agora, pedindo ao participante nas suas terapias ou acções de formação que faça o papel de cada pessoa envolvida na cena (Goulding e Goulding, 1978, p.67). Ora esta é a base do Psicodrama de Moreno: trazer para o momento presente o conflito e as personagens que nele intervêm, através da representação simbólica.

Acreditamos que o estudo e a mudança de comportamento podem ser ensaiados em laboratório, como um parêntesis à realidade, distanciando-se dela ou mesmo ultrapassando-a, aprendendo-se com a experiência ou até criando a experiência. É o locus nascendi do mundo potencial, que só tem sentido fora do que já foi criado (Moreno, 1944, p.64). E, neste contexto, O parêntesis pode, pois, ultrapassar a sua função acessória para se transformar no objecto principal. Neste parêntesis de acção e de observação da acção, cada participante percepciona aquilo que é, descobre aquilo que não é e imagina aquilo que é possível vir a ser. Percepciona onde se encontra e onde não está e imagina onde é possível chegar (Boal, 1990, p.21).

Partindo do princípio de que a pessoa aprende tanto melhor quanto mais os vários aspectos que compõem o seu ser, intelectual, emocional, físico e espiritual, coexistem numa mesma actividade, Claude Steiner, um dos mais importantes teóricos da Análise Transaccional, defende o jogo de papéis, considerando que esta técnica originária do Psicodrama e adaptada mais tarde pela Terapia Gestalt, é uma demonstração bastante convincente da realidade dos Estados do Eu (1984, p.55). No entanto, incompreensivelmente, tem o jogo de papéis sido pouco ou nada valorizado e integrado em práticas de Análise Transaccional, o que levou Fritz Perls, que sempre se impressionou positivamente com o trabalho de Eric Berne e a ênfase que o pai da Análise Transaccional colocou no jogo de papéis, a mostrar a sua decepção: a ideia de maturação, de integração e de transcendência do jogo de papéis parecia ser-lhes estranha (Perls, 1969, p. 264). Era e é-lhes estranha. E, no entanto, como refere Leutz (1985), Eric Berne sempre deu aos jogos interaccionais um lugar de destaque na Análise Transaccional.

Porque, na nossa prática psicopedagógica, como transaccionalista, tivemos esta mesma sensação de falta de instrumentos práticos de intervenção, mais do que ter adoptado o termo Acção Transaccional, procuramos criar uma metodologia que visa a transformação e evolução pessoais num espaço simultaneamente transaccional (relacional) e transicional (simbólico) assente no jogo de papéis, no jogo dramático, nas práticas psicodramáticas e sociodramáticas, nas suas múltiplas aplicações e variantes, a par de alguns princípios importados da Psicologia Gestalt, da Programação Neurolinguística e da Sugestologia.

Pode, à primeira vista, parecer pouco ortodoxo reunir simultaneamente e num mesmo espaço-tempo, a abordagem Psico e Sociodramática, a Terapia Gestalt, a Sugestopedia, a Programação Neurolinguística e a Análise Transaccional. No entanto, temos podido constatar que as várias estratégias e actividades que propomos nesses domínios, com particular relevância para os vários jogos de papéis de incidência dramática, psicodramática ou sociodramática, não adulteram a Análise Transaccional, antes a valorizam e completam, tanto a nível conceptual como no plano prático e experimental. O Jogo de Papéis, a par da Psicologia Gestalt, da Programação Neurolinguística e da Sugestologia, constitui um factor de inovação na abordagem da Análise Transaccional, compensando a sua excessiva racionalidade analítica e a ausência de instrumentos práticos.

Não raras vezes temos podido constatar nas diversas acções de formação que desenvolvemos, nos âmbitos da formação de professores, da educação de jovens, da Psicoterapia de Grupo, a forma muito rápida como os participantes, se apercebem de alguns comportamentos e formas de estar que os surpreendem e que deles não têm consciência. O professor que se julga democrático e não-directivo quando lhe pedem para criar instantaneamente uma imagem da relação professor/aluno, espeta o dedo, denunciando o seu autoritarismo intrínseco, mobilizando, para o efeito o seu Estado do Eu Pai Autoritário. Reenviado para a vida real e tendo trazido ao consciente o que estava inconsciente altera o seu comportamento. O mesmo se passa, quando se pede, em situação idêntica, a produção de uma imagem da relação Pai/Filho.

É no calor do jogo dramático espontâneo e na rapidez com que se realiza cada acção que se revela o que escondido está no inconsciente. É esta a força do jogo de papéis: substitui mil palavras, permite-nos poupar muito tempo e aponta para uma conscientização rápida. Tudo quanto, afinal, Berne preconizava.

Um Laboratório de Acção Transaccional, sejam quais forem os seus conteúdos programáticos, desenvolve permanentemente duas capacidades principais: a capacidade de se questionar, de questionar os outros e o mundo e a capacidade relacional. Estas capacidades desenvolvem-se na e pela experimentação simbólica e lúdica: quando o consciente joga, o inconsciente trabalha. É este trabalho do inconsciente que, tanto no jogo como no sonho, confere, ao comportamento, o sentido e o conteúdo. (Henriot, 1969, p.26). É, neste contexto, que os participantes podem aprender a olhar-se e a examinar as suas próprias realidades, segundo formas que se produzem raramente no estado natural, dito real, muscular a percepção, concentrar a atenção e afinar os sentidos.

O jogo de papéis que propomos e as várias formas de retroacção sugeridas, fazem com que os conceitos transaccionais sejam interiorizados pela totalidade do Ser, sem barreiras artificiais de percepção sensorial. Com efeito, o jogo de papéis, realizado num espaço simbólico, permite, hic et nunc, a percepção das formas de pensar e de agir, a integração dos fenómenos vivenciados e analisados e a transcendência purificadora provocada pela catársis. As actividades que propomos situam-se num campo experimental de pesquisa e visam a interligação da abordagem de autoconhecimento proposta pela Análise Transaccional e do Jogo de Papéis na Expressão Dramática, no Psicodrama ou no Sociodrama, conjugando os princípios criados por Eric Berne e as virtualidades dos jogos de papéis. Neste contexto, os jogos de papéis realçam, confirmam, sublinham e ilustram a realidade dos Estados do Eu, as Transacções, os Jogos Psicológicos e os Cenários de Vida, em Análise Transaccional.

 

Referências Bibliográficas

BERNE, E. (1946). The mind in action. New York : Simon and Schuster.

BERNE, Eric (1949). Psychiatric Quarterly. XXIII, 1949: The Nature of Intuition. Pp. 203–226. In Berliner, B. (1950). Psychiatric Quarterly. XXIII, 1949. Psychoanal Q., 19:611-612

BERNE, E. (1957). Ego states in psychotherapy. The American Journal of Psychotherapy, 11, 293-309.

BERNE, E. (1964/78). Games people play : the psychology of human relations. Grove Press. Étudiant d'Erikson.

BOAL, Augusto (1990). Méthode Boal de théâtre et de thérapie. L’Arc-en-ciel du désir. (O arco-íris do desejo. Método Boal de teatro e terapia). Paris: Éditions Ramsay.

GOULDING, Robert & GOULDING Mary McClure (1978). The Power is in the Patient. San Francisco: TA Press.

HENRIOT, Jacques (1969). Le jeu. Paris: PUF.

LEUTZ, Grete-Anna (1985). Mettre sa vie en scène, le psychodrame. Paris: Desclée de Brouwer.

PERLS, Frederick (1969). Ma Gestalt-thérapie: une poubelle vue du dehors et du dedans. Paris: Tchou.


© Luís Aguilar


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